Normas técnicas possuem papel fundamental na fase de projeto de dispositivos médicos, balizando as decisões dos desenvolvedores para obtenção de produtos seguros e eficazes. Geralmente, para cada produto existe uma gama de normas técnicas disponíveis e aplicáveis, descrevendo especificações e métodos de ensaio baseados na utilização pretendida do produto e nos riscos associados ao seu uso clínico.
Via de regra, as normas técnicas são elaboradas tomando-se por base os resultados clínicos observados para produtos similares entre si e lançados no mercado. Diversos fatores são mapeados, como histórico de falhas dos produtos, diferenças entre projetos e funcionalidade biomecânica, permitindo que parâmetros chave e métodos de avalia-los. Contudo, a dinâmica acelerada do setor odonto-médico-hospitalar resulta constantemente na criação de novos produtos por meio de variações geométricas, de materiais ou mudanças conceituais inovadoras, sendo necessário o desenvolvimento de novos métodos de ensaios aplicáveis a estes novos produtos. Como é preciso tempo e muita discussão técnica até que a obtenção de um consenso entre a comunidade científica seja transformada em Norma Técnica, muitas vezes fatores de risco no uso de dispositivos médicos implantáveis são identificados anteriormente à existência de uma norma técnica especificamente associada àquele risco. Nestes casos, a realização de ensaios não normatizados que busquem mimetizar a configuração biomecânica originária do risco torna-se o meio mais indicado para verificar a segurança do projeto do produto médico em desenvolvimento.
Visando antecipar a necessidade de análises e ensaios vamos dividir esse post em duas publicações onde apresentaremos situações onde há histórico de eventos adversos no uso clínico, ou seja, riscos, mas não existem normas técnicas publicadas que definem métodos de ensaio para medi-los. Os posts serão publicados toda quarta-feira.
#1 Falha durante a impactação de cages intervertebrais
Segundo dados do FDA (Food and Drug Agency – FDA), nos últimos anos houveram mais de 750 relatos e notificações de falhas de cages no intra-operatório devido à impactação. Também foram notificadas ao FDA mais de 270 falhas de instrumentos insertores nas mesmas condições. Esse número trata apenas das vezes que o FDA foi notificado: o número real de casos pode ser bem maior. O modo de falha mais comum é a ruptura do cage ao ser impactado.
Simulações numéricas e método de ensaio específico podem ser aplicados para mitigar este risco.
2. Cut-out em parafuso trocantérico
O método preferido para tratar fraturas pertrocantéricas de quadril é a utilização de uma haste intramedular, ou placa óssea, com acoplamento de parafuso trocantérico, também conhecido como lag-screw. Em mais de 95% dos casos o tratamento é bem sucedido. Contudo, para alguns grupos de risco, como pacientes com osteoporose, situações de fratura instável e má redução, a taxa de complicação pode chegar a 20%.
O principal modo de falha deste tipo de dispositivo é a migração da cabeça femoral em varo e retroversão, seguido de extrusão do parafuso na cabeça femoral (cut-out). Embora seja o principal modo de falha deste tipo de dispositivo, ainda não há norma técnica de ensaio que avalie este risco clínico. Ensaios biomecânicos podem auxiliar na mitigação deste risco.
3. Extrusão / arrancamento de roscas de parafusos bloqueados em sistemas de fixação rígida
A avaliação de parâmetros relativos ao arrancamento do parafuso em relação ao osso é realizada por ensaio bem definido e publicado já há muitos anos em norma técnica, sendo um dos ensaios de dispositivos médicos mais realizados no mundo.
Entretanto, o arrancamento/extrusão da rosca do sistema placa-parafuso, característico dos sistemas de fixação bloqueada, não é avaliado por nenhum método de ensaio definido em normas técnicas. Este fenômeno costuma acontecer com frequência, e está ligado a má redução de fraturas e a falhas de projeto, como você já viu here. Ensaios mecânicos de sistema placa-parafuso permitem avaliar o potencial de falha associado ao seu projeto específico.
Os dispositivos que não passam por ensaios não-normatizados são seguros?
Cabe lembrar que a submissão de um dispositivo médico a ensaio mecânico e/ou biomecânico é apenas uma das maneiras de mitigar riscos identificados durante a fase de projeto. O importante é que todos os riscos de falha sejam mapeados e mensurados. Existem diferentes abordagens para a mitigação de riscos, como a avaliação tecnológica do projeto e a realização de análises computacionais, por exemplo. O desenvolvimento e a realização de ensaios não normatizados é recomendado nos casos onde a mitigação do risco não foi alcançada de maneira satisfatória por outra estratégia.
MSC MED – Avaliação Pré-Clínica de Dispositivos Médicos
A MSC MED é especialista em avaliação pré-clínica de dispositivos médicos. Conte conosco para a avaliação de segurança e eficácia de seu produto, obtendo a correlação entre os resultados dos ensaios de seu produto e o provável desempenho clínico deste em uso. Iremos lhes orientar para a obtenção da autorização de comercialização por órgãos reguladores, como ANVISA, FDA e Marcação CE.